Textos

A perereca da Kaká
          Eu nunca pensei que homens e mulheres fossem diferentes até os meus doze anos. Cresci numa família de cinco irmãos, dois mais velhos e dois mais novos do que eu, a única mulher. __Limpar o quarto, desde sempre __ mamãe dava um grito e todos catando as roupas, juntando sapatos, varrendo a casa, qualquer um pegava na vassoura, na bucha que lavava o banheiro, e todos, mas todos mesmo, arrumando a cozinha. Não tinha dessa que você é mulher e vai lavar a louça, até papai se encaixava no esquema.
           Sábado lavávamos as roupas, cada um fazia seu monte, desvirávamos as meias, revistávamos os bolsos das calças e entrávamos na fila, mamãe ficava de olho, ninguém trabalhando menos do que ninguém, éramos todos iguais, põe roupa na máquina, tira roupa da máquina, _ chacoalha bem pra ficar fácil de passar. Passar era outro ritual, mamãe no comando, eu chegava a pensar que éramos iguais nada, mamãe era mais poderosa. Dava-me um orgulho ser mulher, eu queria ser igualzinha à minha mãe.
          Aos domingos, meus irmãos enchiam a casa de amigos, adoravam uma bola e eu também, mas no meio da brincadeira, era fácil nos desentendermos e eu ficava em desvantagem, por mais que me esforçasse, eu levava a pior e sempre ia chorar perto de mamãe. __ E apanhou por quê? Bate também, vocês são iguais.
          Um dia, com 12 anos, chegando em casa, um amigo do meu irmão pichava o muro bem de frente ao ´portão da minha casa: __A perereca da Kaká é gostosa__ Fiquei indignada e fui contar pra minha mãe, ela daria um jeito no atrevido, mas não me deu apoio, começou a me perguntar se dei lado para aquele safado, se havia trocado de roupa na piscina perto do malandro, se fiquei de brincadeira-sem-graça com aquele pilantra. __Eu dizia que não, e não entendia a ira de mamãe que postou-se no portão, olhando para aquelas letras como se estivesse vendo um fantasma. __ Ela esperava pelo meu irmão que, assim que chegou foi atingido pela saraivada: __Eu não quero aquele desbocado do Lu aqui em casa, aquele sem noção, aquele sem vergonha, aquele obsceno, veja o que ele escreveu da sua irmã.
           Meu irmão olhou, deu de ombros e disse: __O que é que tem?  Vai, lá, Kaká e escreve que o peru dele é gostoso também.    
         Mamãe quase engasgou, e com o braço levantado, rodopiou numa volta 180 graus, e deu, com as costas da mão entre a face e a orelha de meu irmão que perdeu o equilíbrio e bateu com a cara no peito de papai que entrava naquele instante e foi logo segurando meu irmão para que não caísse. Quando se recuperou me disse: __Acho que é melhor você escrever que o peru dele é ruim.  
Luzineti Espinha
Enviado por Luzineti Espinha em 16/05/2017


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Imagem de cabeçalho: raneko/flickr