Textos

O lagarto
          Por que você tem, como animal de estimação, um lagarto? __ Perguntei para minha amiga que, apesar de conhecê-la há muito tempo, ainda tinha o dom de me surpreender. Ela já me dera provas de que não era só uma amiga, mas uma grande amiga; eu me sentia com liberdade de ser inconveniente, e até mesmo atrevida:  __Por que não um gato, um cachorro, um coelho? Juro que não entendo...        
           __ Miga, gosto de animal exótico. __Respondeu-me. __ Se você estivesse comigo quando o conheci, também teria se apaixonado por ele, era tão doce, tão bonitinho, tão carente... Quando eu o trouxe pra casa, lembra... era muito diferente. __Perdeu-se num pensamento que lhe trouxe um sorriso luminoso aos olhos, e começou a falar com uma voz tão doce que mais parecia uma cantiga de ninar: __ pequenino, dormia o dia todo, couro lisinho, quase uma pele... __ Aí sua expressão se congelou até o rosto ficar parecido com uma estátua e a boca, uma rachadura no mármore. __ Hoje ele me causa medo __ conseguiu pronunciar.  __ E quase num sussurro completou:
          __ tem se comportado de um modo tão estranho..., outro dia o encontrei fumando no meio da sala. __ Ouvia tudo estarrecida e o que ela acrescentou, deixou-me por completo horrorizada:
          __E pensa que ele parou por aí? Quando cisma com uma roupa, logo, ela desaparece. Você não imagina quanto prejuízo; houve um dia que ele queimou todos os meus sapatos; esse tamanco é novo, veja a etiqueta, __   e ergueu o pé para me mostrar o solado.
         Senti muita pena e com minha praticidade, resolvi muito fácil o problema, e aconselhei-a:
         __Solte-o num lugar bem distante de sua casa, já soube de muitas pessoas que utilizaram desse método. __E acrescentei: __ já vi até na televisão, gente usando esse recurso como solução. E brinquei:  __ só precisa tomar cuidado com as câmeras, hein...
          __ Ela não entrou no clima da brincadeira. __Miga, confesso que já pensei sobre isso, mas ele me inibi, com um metro e quarenta, reconheço, estatura grande para um teiú, não sei como fazer. Ultimamente tenho sentido aversão por aquela pele de pergaminho, entende? Sabe que outro dia, senti-me doente, quando esticou uma mão e apertou-me um seio enquanto com a outra, segurava tortamente o cigarro, foi de uma ousadia, e chego até mesmo, pensar em crueldade, achei que teria o mamilo queimado.
          Joguei meu olhar amedrontado para o bicho que dormia de boca aberta no sofá, sua cauda gorda e flácida, a mão com os dedos bem abertos de unhas afiadas; a cabeça, então... tudo me convidava a deixar a casa. Mas antes de fazê-lo fiz um comentário: __ Você já pensou na possibilidade de ter sido enganada? __ Ela ficou me olhando, e vi nos seus olhos um ponto de interrogação que foi se desfazendo até abrir bem os olhos como se matasse a charada. __Já, já pensei em várias ocasiões, que eu não trouxe para casa um lagarto, mas um crocodilo, e olha que ele gosta de água! O rio que passa aqui atrás é seu paraíso.
           Olhei novamente para o bicho que continuava a dormir na mesma posição e reparei melhor na cabeça, na mandíbula, nos dentes... esses, eram horripilantes. Clareou em minha mente, todas as vezes que vi minha amiga com marcas inexplicáveis, e descobri lhes a fonte.
        Num desejo enorme de ajudar minha amiga arrisquei mais uma solução: __Você já pensou em procurar a sociedade protetora dos animais? __Já. Já os procurei, dei o endereço, relatei; a única coisa que fizeram foi, censurar-me repetidas vezes, por que eu o escolhi como animal de estimação.
          Pensei, pensei e não vi saída a não ser minha amiga deixar a casa. Ofereci-lhe abrigo: __ Vem passar uns tempos comigo, eu quero ajudá-la. Você fica no meu quarto e eu vou dormir no escritório, não fará diferença, já passo a maior parte do tempo lá.      
         Enquanto eu tentava encontrar uma solução, o bicho acordou, bateu a cauda contra o encosto do sofá pra se fazer presente ou para nos intimidar, foi em direção a cozinha deixando as marcas das unhas no chão. Da sala, o vimos devorando toda a comida da geladeira, comia com as mãos e as limpava na toalha da mesa. __Não resisti, e confesso a hora impropria, lhe fiz uma crítica bem humorada em cima do trocadilho: __ Ele não é um crocodilo, é um troglodita.  
           Quando saí ouvi o barulho da gaveta de talheres se chocando contra o fogão. Deixei minha amiga, e antes que alcançasse o portão, a porta bateu e ouvi um grito, aguardei uns minutos e voltei. Tudo silenciou, empurrei a porta, ela não cedeu.  Tentei a maçaneta, em vão; gritei por minha amiga, ninguém respondeu. Chamei a vizinha ao lado e manifestei a minha preocupação:
           __A senhora não ouviu um grito? __Ela me respondeu que sim, mas acrescentou desdenhosa:
           __Gritos e portas batendo, nessa casa, é tão comum...
          Não deixei por menos, peguei o telefone e disquei 180 e fui despejando no aparelho, tudo que sabia e, a todo instante gritava para a pessoa, que educadamente, queria detalhes do local do ocorrido, que minha amiga estava lá dentro.  
          Chegaram, e minha ansiedade continuou, deixaram bem claro que eu deveria esperar pelo lado de fora. Quanto sufoco, eu me esforçando para enxergar, de onde estava, o que era possível de se ver do interior da casa. Uns minutos se arrastaram e das oficiais que entraram, uma apareceu trazendo, nas mãos, os tamancos de minha amiga:
          __ De tudo que você descreveu, isso foi a única coisa encontrada, __ falou mostrando-me o calçado.
          Balancei-me num restinho de esperança, e pensando numa fuga pelo muro do fundo arrisquei: __Encontrou-os próximo ao muro?!
__ Não, ao rio que passa atrás.

Luzineti Espinha
Enviado por Luzineti Espinha em 26/05/2017


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Imagem de cabeçalho: raneko/flickr