Textos

O amor e a velhice
          Fomos ensinados e devemos ensinar  nossos filhos  a serem pacientes e a terem respeito pelas pessoas idosas, mas parafraseando o saudoso Chico Anísio “nem sei o que é pior , se é ficar velho ou não se chegar lá”. Mas aqui no condomínio, convivemos com Ela, uma senhorinha, que Deus nos guarde, se puder evitar é bom, não foi o caso de hoje. Abri a porta devagarinho, espiei pelo lado direito e avistei a roda cinzenta do seu vestido, está sempre vestida de cor  cinza, fechei a porta bem rapidinho e aguardei um tempo para que Ela deixasse o meu caminho. Vinte minutos depois, abri novamente, uns dez centímetros da porta e espiei o corredor, para minha alegria, que durou pouco, só a luz do sol.  
        Saindo do elevador, quem me esperava? __Ela. __Bom dia, senti seu perfume e esperei um pouquinho pra que descêssemos juntas, mas você demorou. O que aconteceu?
         Um pigarro enrolou-se  na glote e fingi que não entendi. Justifiquei minha demora dizendo que estava sozinha esta semana, que a Bela fora visitar a mãe em Pau Grande, __a senhora conhece?  ¬¬¬__Deus me livre, minha filha, pau de velha é bengala__ e agitava a bengala no ar assustando o rapaz do Sedex que aguardava na entrada.
         Para diminuir o constrangimento, comecei a dizer que ela fora de ônibus, mas mais uma vez fui interrompida:
         __Gastou dinheiro à toa, magra daquele jeito, era só despachar por Sedex e apontava a bengala para o funcionário do correio que ainda aguardava em pé com uma caixa na mão, só que dessa vez soltou o riso preso até então. Mas Ela não parou por aí, __Melhor assim, trazer a mãe aqui, teria que alugar um vagão cargueiro. __Eu a defendi, não a Bela, mas a suposta carga. __Coitada... ela está com Alzheimer. __Bastou para que começasse  a falar da memória de elefante que a doente tinha, __imagino se não sofresse de Alzheimer se lembraria até das vidas passadas, e comeria por todas. __Aí, eu entendi a analogia com o elefante. Tratei de ir saindo e deixando-a falando sozinha, não antes de vê-la apontar-me a bengala e ouvi-la: __Saia da cozinha, já está com  cara de fogão, não percebeu que está quadrada?
         __Céus, que ser horrível, __ comentei com uma moradora do prédio ao lado, kardecista, vivia entregando, na portaria, uns folhetinhos com mensagens de boa convivência e amor ao próximo, e o que ela me disse deixou-me questionando o amor e a velhice:
         __ Você não viu nada, Ela costuma ir ao centro tentar contato com o finado marido, sessenta anos de casamento, ele costuma aparecer com outro nome para não ser incomodado.      
Luzineti Espinha
Enviado por Luzineti Espinha em 04/11/2017


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