Textos

Acorrentados... Eu?
          Depois de ler o conto, “Acorrentados”, de Paulo Mendes Campos, pus-me a refletir: Eu não colecionei selos para os meus filhos, aliás, eu não me lembro, se algum deles (tive dois) colecionou algo durante o período em que moraram comigo... E sim, eu acordo às vezes, na madrugada, e me estremeço desgostosa, não por me lembrar de quem feri, mas por me lembrar de que fui ferida por quem amava.
          E não, não choro, no cinema, não tenho o hábito de frequentá-lo, não seguro lagartixa na mão, mas também o tal “réptil “ não me incomoda, na verdade, eu nem as enxergo. E refletindo agora, eu nem me lembro da última vez que tenha  visto uma.
          Ah, as flores... Essas eu costumo admirá-las, à distância, não gosto de vê-las no vaso,  tenho pena..., e não, nunca ri das minhas rugas, penso que se me pusesse a rir por esse motivo, gargalharia por horas...
          Relacionei a língua morta, durante a leitura, com o latim durante os anos de faculdade, hoje não mais. A porta fechada, confesso, costuma me incomodar. Caridosa, estou aqui pensando que já fui bem mais... Sim, já enviei bonecas às filhas dos lázaros.
          De meu pai, poucas são as lembranças, não me lembro dele sentado nem às refeições, foi extremamente ausente. Livros, aos presidiários, eu já dei muitos, mas antes que eles perdessem a liberdade, sinal de que não leram.
          E não, não me comovo diante de um mestre, isso não quer dizer que nunca vá me comover, quem sabe um dia... Eu nunca escolhi verduras, nem frutas frescas para os canários, eu não os tenho presos, eles que busquem no seu habitat  o que mais lhes apetecerem.
          Não todos os dias, mas costumo me lembrar, não só dos amigos que partiram subitamente, como daqueles que anunciaram um pouquinho antes para que eu me preparasse. Eu também não sou apegada a presentes dados em datas  que pra mim não tem a menor importância, todo dia é dia.
          Entrar em transe, creio que sim,  eu tenho o costume de viajar no tempo diante das antiguidades culturais ou naturais como as cartas que eu guardo, aquelas absurdamente ridículas. O pôr-do-sol, a cascata, o mar inspira-me poemas ainda por escrevê-los, e os transatlânticos que passam cabem na tela da TV de baixíssima polegada.
          Evito, sempre que posso, os lugares que fui feliz, visitá-los é sofrer duas vezes, quanto a pessoa amada, nunca senti ,por ela, pena, só amor mesmo. Apesar de tudo não me sinto menos acorrentada nessa armadilha terrestre.        

Luzineti Espinha
Enviado por Luzineti Espinha em 10/11/2017


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