Sinal vermelho
Muitas lembranças agradáveis, eu guardo de tempo idos, uma delas é a estradinha de terra vermelha com seus barrancos com mais de um metro em ambos os lados, velhas árvores conhecidas e muitas porteiras. Que prazer percorrer seus três quilômetros de poeira... parar na biquinha de água cristalina... Cai da altura de oitenta centímetros sobre uma telha que a conserva límpida. Não importa o tempo, ali, a água é sempre fresquinha.
Minhas andanças de moça, era uma obrigação. Sempre no mesmo lugar, uns cinco passos à frente de onde corre a água, parava, subia os cinco degraus da encosta, e cortava a folha de uma planta abundante no lugar. Até hoje não sei o nome, mas era grande, oval e aveludada. Com a folha dobrada ao meio duas vezes, fazia as vezes do copinho... Bebia, mesmo sem sede e perambulava pelos arredores apreciando a paisagem que se diluiu no verde espojando-se no chão num negror pegajoso.
A vibração avolumou-se pela ribanceira, por onde a terra era mais úmida, e foi em direção a sombra do carro como se, há muito tempo, fosse o local de um encontro marcado. Só agora eu percebo que não estou mais sozinha. Além dos cavaleiros de pedras, cavalos-de-pau e das vaquinhas de frutas verdes, há um par de olhos que me aterroriza.
Levanto-me, e os espinhos do limoeiro enterram em meu couro cabeludo.
À hora, chega gritando quem era esperado. Um grito rouco, sufocado pela boca que de tanto se distender está deformada. Um suor frio umedece-me os cabelos e corre em direção ao pescoço. Os pés ensaiam correr e são pregados.
Adversários desiguais, meus olhos são laçados pelos amarelos, a cor exata das folhas, no outono, quando elas deixam os galhos.
Um esforço peristáltico e peçonhento estrangula enquanto as mãos confeccionam um cigarro. Manuseia-o com os olhos cravado em meu pescoço, torcido da direita para a esquerda e desta para direita de novo. Apertado... calcado... enrolado. Falta-me o ar. Ele bem firme nas mãos tira-me a capacidade de decisão, e nelas vou em direção aos lábios. Entre eles, surgi a língua rosada e úmida serpenteando entre os dentes postiços que de mal com a boca, ameaçam deixá-la.
Arremeda um Sorriso e uma quantidade de saliva se acomoda nas extremidades dos lábios. A língua passeia fora da boca, recolhe o excesso e produz um estalo.
Um passeio vermicular torna a recolher a saliva que insiste. Os dentes antes opacos estão brilhantes e encharcados. Escorre pelo queixo, viscosa, odorífera: alho com tabaco.
O sapo luta. Mesmo depois de engolido inteiro, consegue a proeza de expor uma mão que me lembrou um cigarro. Lambido em todo seu comprimento. Preso, entre o indicador e o polegar, por uma de suas pontas, é enterrado na boca até desaparecer, em seguida retirado. Enterrado de novo, de novo é retirado.
O desespero é visível no volume animado à altura da garganta. Impotente nada faço diante do fogo e da brasa, e consumo-me em fumaça percorrendo as entranhas na total escuridão. No trajeto, encontro o estômago embrulhado, e pego carona no giro da roda do pneu que feito um laço esticado foi à força arrebentado.
Dez minutos eu volto. Ela está pendurada na cerca. Por entre as feridas, várias ao longo do seu comprimento, o sapo abre passagem na carne dilacerada.
Náuseas e espasmos hemorrágicos.
Luzineti Espinha
Enviado por Luzineti Espinha em 14/03/2017