Cinquenta anos
Dia desses, eu visitava uma amiga que estava fazendo aniversário: cinquenta anos. Antes passei em uma loja de departamentos e perambulei pelas seções a procura de uma lembrancinha, um mimo; não que eu ache que haja mimo para uma mulher que faz “cinquenta aos”, mas vamos lá, flores, muitas flores!! Pensei...pensei e descartei. Lembrei-me que o ano anterior, eu, ao elogiar as flores que uma outra amiga ganhou, pelo mesmo motivo: cinquenta anos, essa olhou triste para toda aquela beleza colorida, aromática e despejou: __começa assim, logo virão as coroas. __ E os coroas. __ Fiz um trocadilho pensando dar leveza ao momento. O que não foi bem aceito: __Eu fico com as coroas. __ ela disparou.
__Que horror, não é bem assim. Eu já passei dos cinquenta e não doeu nada, tem até suas vantagens... __Não concluí, fui atingida por um esguicho de vinagre: __Já se observou bem?
Não, confesso que bem, bem, não. Na verdade procuro até esquecer a data que acrescenta ao cinquenta, sempre mais um. Mas não vou presentear-me com uma taça de cicuta, embora ache um luxo o tal apetrecho, lá na filosofia, em Sócrates, é bem verdade que ela deixou sua biografia até meio poética. Mas as taças sem a cicuta não seria uma má ideia. Optei por meia dúzia de cristal, tão branco que chegava ser meio azulado, e o espumante que era o preferido quando nos juntávamos, estava em oferta, olha que beleza: duas garrafas trocando olhares no fundo da cesta. Parti então para o caixa e já pensando no discurso que a fizesse apreciar a data.
“Quando se faz “50” anos, não se faz um aniversário qualquer. Cinquenta é um marco, é meio século, cinquenta são os tons de cinza, e haja imaginação; cinquenta é uma coleção de décadas, um luxo; É também a certeza de estar fazendo o caminho de volta, que pena. Então não tem por que ser sutil com os hipócritas.”
Discurso pensado, não é discurso realizado, achei que o finalzinho deveria ser repensado. Não estaria eu dando munição pra minha amiga, com sua sagacidade, metralhar-me? Poderia eu ser classificada como hipócrita e minha amiga sentir-se autorizada, pelo meu discurso, mandar a sutileza as favas.
O discurso, então foi mudado, após o tim-tim, o primeiro gole, o abraço, entrou em cena os cinquenta, chegaram sem as coroas e acompanhados das escolhas dos laços que atamos onde escolhermos, a idade nos permite.
“Tem coisas que “os cinquenta anos” me deram, nessa vida, de que não abro mão: meu Deus, meus filhos, meu trabalho, meus livros, meus amigos, meus sapatos, nessa ordem. O resto é negociável” ...
Luzineti Espinha
Enviado por Luzineti Espinha em 13/04/2017