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Em terra de cego...
                Para alguns estudiosos, a inteligência humana estaria se expandindo rápido demais. Alguns teóricos dizem que a causa é a garotada que vive plugada, conectada, indo numa velocidade quase insuportável, e eu assino embaixo.  Se ela não estiver, eu estou. Não sei se é a idade, passei dos cinquenta, mas meus alunos estão mesmo cada vez mais “antenados”, sabe antena? Aquela que fica lá á á á á  no alto, é.... então, essa mesma. Eles vivem nas alturas, a cada cinco minutos, eu lembro Elis Regina: __ “(...) aqui quem fala é da terra”.
           Outro dia, enquanto eu falava, na sala, sobre gênero textual, um aluno me olhava como se eu fosse um ET. Pensando que ele não estivesse entendendo, que eu tivesse que mudar a didática, fazer uso de uma outra metodologia, parei minha explanação e perguntei:
          __Você está me entendendo? __Ele continuou olhando para mim, mas certamente não me enxergava. __Eu insisti:
          __Ei..., você aí..., é..., você mesmo..., está me entendendo..., entendeu? __Ele olhou para trás, como se procurasse pela pessoa com quem eu falava, olhou fixamente para uma garota que mordia o lábio inferior e balançava negativamente a cabeça, __ não, não era com ela. Voltou a olhar para mim, depois, para o lado esquerdo, __ do direito ficava a janela e uma cortina estampada com a cara o pateta, aquele do Walt Disney, sabe? Então. Novamente, olhou-me, eu balancei a cabeça afirmando que sim, era com ele que eu falava. Ele continuou produzindo um olhar fixo, interrogativo, cáustico, e eu tive a sensação de que meu globo ocular se expandiu, quando a boca dele desenhou um ângulo fora do esquadro, e o dito me perguntou:
         __Você está falando comigo? __Sim, sim, sim, reiterei; gênero textual, você se lembra?
          __Gênero? __Mas o que mais me assustou foi o que me perguntou a seguir: __ O que é isso? __E piscava de uma maneira que me deixou perplexa. Deixei meus olhos passear pela sala e percebi que a confusão começava a tomar forma, alunos medindo mentalmente o retângulo da porta, outros movimentavam os ombros e com as palmas das mãos para cima, como quem diz: __ E agora?     Eu não podia deixar daquele jeito, não fazer nada, precisava salvar a aula programada, documentada no meu plano que não anteviu essa situação nem a aluna que ameaçou se levantar derrubando a garrafinha de água sobre o possível tumulto, foi aí que eu improvisei um discurso:
          __Calma, está tudo certo. Não se assustem, a professora, aqui é medíocre, sabem o que é isso? Eu vou explicar: Quando eu leio alguma coisa, numa escala de zero a dez, meu entendimento é cinco; quando escrevo, também alcanço um cinco; quando alguém fala comigo, minha compreensão fica na metade dessa escala, o comportamento das pessoas, eu estou me esforçando pra chegar no cinco, mas em terra de cego, quem tem um olho é rei.  Que tal dar uma espiadinha nessa terra?    

Luzineti Espinha
Enviado por Luzineti Espinha em 28/05/2017


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Imagem de cabeçalho: raneko/flickr