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Mãe não sabe nada
O menino olha para a mão, abre bem os dedos e começa a contar, __ um, dois, três..., __ corre em direção à cozinha, mostra a mão para a mãe e pergunta: __Mãe, quantos anos  eu tenho? A mãe pega a mão do filho e começa a contar-lhe os dedos, __um, dois, três, quatro, cinco. Você tem cinco.
__ Mãe, não é dedo que eu quero saber, é ano.
__Então, é de ano que eu estou falando. Eu usei os dedos para lhe mostrar, já que não posso lhe mostrar os anos.
__Por quê? __Perguntou o menino.
__Porque não sei. Só sei que você tem em uma das mãos, a mesma quantidade de dedos que    tem de anos.
__Ih, mãe, você não sabe de nada.
__É isso mesmo, eu não sei de nada, mas você tem cinco anos.
O menino, na frente da televisão, brinca com as mãos e fala sozinho. Dobra os dedos alternadamente como se estivesse fazendo uma conta. De repente levanta e  se dirige à cozinha. __Mãe, oito é mais que cinco? __Perguntou, mostrando as duas mãos com os dedos bem separados.
__É, filho, oito é mais que cinco. Você precisa de todos os dedos desta mão e mais três dedos desta outra, __mostrou enquanto dobrava dois dos dedos da mão que segurava. __Ah! __O menino saiu, mas a mãe sabia que voltaria, __ pelo menos nessa, eu não me embaracei.__ Pensou.
O barulho do carro chegando era indicador de que o pai chegara e devia desligar a TV, lavar as mãos para o almoço.
À mesa, o menino deu uma espiada na comida e disparou: __Não gosto de carne assim, __Assim como? __Perguntou a mãe. __Assim, melada, vermelha. __Respondeu o menino apontando para a carne e fazendo careta.
__Isso é molho, feito com tomate. __Apreciou a mãe.
__Não gosto.
__Não seja radical. Deixe de trololó e coma. __ Interveio o pai.
O menino não questionou, comeu, mas não sentiu o gosto da carne. Enquanto comia, pensava que ele era radical sim e se sentiu importante. Ficou pensando a tarde toda. Nem ligou a TV. Sentou no sofá com as pernas cruzadas, como o pai fazia quando estava concentrado em ler o jornal, usando a calculadora ou o computador. __Eu sou radical.__ Repetiu a tarde toda usando a boca, as mãos e as pernas que não paravam.
A campainha tocou, no final da tarde, o menino abriu a porta faceiro. Era o primo Cel, um  ano mais velho e que morava ao lado.
__Oi, eu não o vi  hoje!
__Cel, eu sou radical, meu pai falou e eu gostei.
__É? E o que é isso?
__Não sei, mas eu gostei. Acho que é coisa de gente importante.
__Por que você acha?
__Radical...o “Ra” raspa a garganta e o “cal” explode na boca igual bola de chiclete.
__Só por isso? Sopa também explode na boca que nem bola de chiclete e não é importante.
__Meu pai, não  falaria se não fosse.
__Seu pai, já disse que você era chato, lembra?
O menino saiu correndo em direção à cozinha, a mãe não estava. Procurou-a na lavanderia, também não. Subiu ao banheiro, a mãe tomava banho e a porta estava fechada. ___Mãe, ele bate na porta e chama. __Já estou indo, calma. __Ele  bate de novo, __mãe...,__ Ela sabia que ele não esperaria. Enrolou-se na toalha e abriu a porta. __ O que é? Quem morreu? __Ninguém, eu queria saber o que é radical. __Ah, filho, espera eu me trocar primeiro, depois eu falo pra você.
__Não falei que era coisa importante, __ falou para o primo que aguardava ao lado, __ ela vai se trocar primeiro. Deve ser coisa importante.
A mãe desceu, o menino aguardava a reposta de pé, expectante, ansioso. __Mãe...
__Vem cá filho, senta aqui. __ O menino olhava para o primo, confirmando sua suspeita: ele era importante.
__Filho, radical é raiz...
__Raiz?!
__Eu sei que radical é a parte que dá o significado à palavra.
__ E daí, eu sou raiz ou sou significado?
__Filho, o que o seu pai quis dizer é que você age com radicalismo.
__Sei, mas e aí, o que eu sou?
__Olha, eu vou matar o seu pai.
__Por quê?
Quando ele chegar, você vai ver.
A mãe saiu em direção à cozinha. O menino ficou confuso, olhando para o primo.
__Você ficou triste? __Perguntou o primo.
__Não, fiquei preocupado. Radical não é uma coisa importante, é uma coisa perigosa. Ela vai matar meu pai.
__Então eu vou embora...
O menino se torturava. Lembrava do rosto do pai, fechava os olhos e não controlava as lágrimas. Ouviu o barulho do carro chegando, correu para o quarto, deitou sobre a colcha, cobriu a cabeça..., gostava tanto do pai...
O menino dormiu. Acordou com o pai debruçado sobre ele, __filho, você está bem? Dormir essa hora..., está me deixando preocupado, __ e apalpava o menino  na altura da garganta, na testa, nas bochechas. __Abra a boca. Ponha a língua para fora...
__Eu não tenho nada, __falou enfático. __E você, pai? Você está bem? __E por que eu não estaria? Vamos jantar.
__Vamos.__ Saiu saltitante na frente.
À mesa, comeu a carne que sobrou do almoço, vermelha, melada, com radical e gostou.
                                        




Luzineti Espinha
Enviado por Luzineti Espinha em 09/09/2017


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Imagem de cabeçalho: raneko/flickr