Textos

O amor acaba
          Li Paulo Mendes Campos a vida toda, mas nunca aos 58 anos, outro dia encontrei entre minhas relíquias, (livros) “Crônicas líricas e existências” que têm produzido em mim reflexões primitivas, amadurecidas, e algumas,  confesso até reconhecer-me portadora de conceitos pré-estabelecidos.
          “O amor acaba”, leva-me a pensar: como pode acabar assim em situações tão banais? Numa esquina qualquer, num domingo de lua nova, veja bem, não é qualquer lua, é NOVA, posta assim fica até  romântico; nova antagoniza com acabar. E mais, depois de uma sessão de teatro... , tão raro quanto caro, e o amor acabar. É um despropósito, quando muito mais lógico seria um make love, e vê-lo no dia seguinte, mais robusto, fortalecido a ponto de não se importar com o  cigarro que passou a noite toda  lambendo o cinzeiro.
          Mas na verdade o Paulo tem razão, o amor acaba durante um beijo que já fora tão importante, agora é só um som pulando da porta, correndo por corredores a procura de quem toma um banho, e lá, ele fica, num canto do banheiro, tão molhado, irreconhecível que chega a se esquecer da sua funcionalidade, isso quando não bate no chuveiro e morre eletrocutado.
         O amor acaba sim, dentro de uma instituição bancaria, quando os números são incompatíveis com a realidade.  O amor, também acaba na ficção, entre as páginas de um livro que transmite infortúnios à posteridade. Lembro-me de  que certa leitura deixou-me tão revoltada que cheguei a arrancar a página, hoje sei que foi por imaturidade, a beleza da obra estava justamente nesse acabamento.
        O amor acaba entre as luzes parisienses, onde a maioria, como eu, só as conhece por meio da sétima arte. No último tango em Paris, o amor não acabou porque não foi encontrado, era um adulto escondido num apartamento e espionava por uma janela indiscreta, do outro lado da cidade.
          O amor acaba ao som do samba, na quarta feira de cinza, não importa se foi pierrô ou arlequim, acaba entre um gole e outro, acaba pra você, pra mim. Parafraseando o Paulo, “acaba na floração excessiva da primavera”, entre as flores murchas das coroas que se solidarizam com os esquecidos,  com os preteridos, com os que se agonizam na dor de perder.        
Luzineti Espinha
Enviado por Luzineti Espinha em 18/11/2017


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Imagem de cabeçalho: raneko/flickr